segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Atenção

Passava pela ponte dirigindo seu carro, seu brinquedo preferido. Examinava a beleza dos arcos que se moviam com a velocidade do carro, e o reflexo colorido do brilho do sol na água do lago.

Seguia tranquilamente pela rua, ouvindo Beethoven, quando teve a atenção captada por um painel luminoso bem grande, que ficava em cima de um caminhãozinho que lhe era transporte e sustentáculo. No display, uma campanha pelo uso do cinto de segurança.

Lembrou-se então de que estava com o seu desconectado, e pensou na maravilha de viver num mundo com tanta tecnologia e beleza, que possibilita não só o transporte de forma confortável e eficiente, no melhor ambiente possível, com a temperatura, som e companhia ideais, mas ainda provê a os meios necessários para que a experiência seja, também, perfeitamente segura.

Pensando na tecnologia, seu pensamento voou para a existência de radares de velocidade na rua, e seus olhos foram do painel para o poste e, ante a confirmação da sua presença, direto para o velocímetro do carro, e lá permaneceu até que a velocidade baixasse dos 92 para 60 Km/h.

Tudo parecia em câmera lenta, e então seu olhar, agora de volta à visão frontal do carro, captou a imagem de um caminhão da marinha, transportando seu arsenal mais valioso, parado à alguns metros, momento em que a câmera ficou ainda mais lenta, o que o permitiu assistir perfeitamente enquanto a ferragem da traseira do caminhão rasgava a lataria do capô do seu carro, até que o mundo ganhou um dourado que tudo preenchia, que encobria até mesmo o estrondo que se seguiu.

No mesmo dia noticiou-se mundo afora a detonação inexplicável de um aparato nuclear em Brasília, atingindo mais de um milhão de pessoas, fulminando muitos, como os moradores da Vila Planalto, Lago sul, Palácio da Alvorada, e Condomínio La Torre.

Exames estão sendo realizados nas baratas encontradas nas proximidades do citado condomínio, utilizando-se técnicas de extração de registros de memória de artrópodes, recentemente criadas no meio acadêmico.

Alega-se que, tendo em vista o grande número de indivíduos, e algumas características apresentadas por alguns deles, como as baratas louras, que representam mais de 50% do total, será possível reconstruir-se imagens do local na hora da explosão.

domingo, 26 de setembro de 2010

Spin

As coisas tendem ao equilíbrio, right?

Mas o equilíbrio tem sua criação sempre secundária, decorrente de outra coisa, nunca aparece de forma autônoma.

O equilíbrio só é perceptível ao longo de determinado período, nunca num ponto estacionário, questão de física quântica, talvez... o que não diz muito porque física quântica qualquer coisa pode ser. Todo mundo é elétron alucinado rebatendo pra tudo quanto é lado, desorientado, caótico, doido da cabeça. Tudo é probabilidade.

O que o princípio criador desse universo maravilhoso cria são os extremos. Aí sim, o negócio na origem mesmo. Cria o alfa e o ômega. Aí a gente faz as contas e acha o equilíbrio. Quem não souber fazer conta, não aprende o equilíbrio, o balance.

No fim das contas, o equilíbrio é mera interpretação.


sexta-feira, 16 de julho de 2010

Con(s)(c)erto

Meu violão não canta mais. Ele, que antes soava muito melhor do que se poderia supor pelo preço que me custou, agora só balbucia, trasteja, estala. Não mais toco música nele, apenas o toco, roçando meus dedos na sua cara e minha barriga nas suas costas.

Ele veio falar comigo. Disse que está arrasado, que mesmo diante da insignificância do meu talento com os instrumentos de cordas, sente muita saudade do tempo em que ainda estava inteiro, do tempo em que comecei a aprender os primeiros acordes com aquele professor de violão. Até chorou ao lembrar-se de mim engatinhando, depois dando meus primeiros passos (e por aí parando, pois foi onde consegui chegar). Lembrou de quantas vezes eu cheguei em casa chorando de tristeza, de raiva ou de saudade, peguei-o no colo e lancei meu berro no espaço enquanto batia minhas mãos desajeitadas em seu corpo, em suas cordas, e de como, depois de duas ou três músicas, estava de volta ao meu estado de espírito usual.

Disse que me é muito grato pelas viagens em que o levei e ainda levo, e ficou me lembrando de nossa última ida para a Chapada dos Veadeiros, há pouco tempo, quando ficamos tocando sob uma noite sem Lua e com todas as estrelas do céu, iluminados e aquecidos pela fogueira que eu fiz, sentados no meu saco de dormir que me acompanha há vinte anos, desde o escotismo.

E me pediu para eu ter em mente que ele sempre se esforçou, sempre quis estar ao meu lado, mesmo quando eu trocava suas cordas de aço pelas de nylon, poupando as pontas dos meus dedos em detrimento do seu timbre original rock ‘n roll. Sim, mesmo tendo um pouco de vergonha daquele timbrezinho bicho grilo meio gay dos encordoamentos de nylon, nunca teve vergonha de mim, inclusive nas ocasiões em que eu me propunha ao ridículo de tocá-lo na presença de terceiros (as).

Disse que sempre sacou que eu o uso como mero meio, que minha verdadeira paixão é o canto, e não o violão, mas que nunca se importou com isso, e que sempre gostou de ver minha alegria enquanto cantava.

E, com muito tato, lembrou-me do motivo pelo qual seu declínio começou: você. Me mostrou o abalo em sua estrutura causado pelo contato contigo, me mostrou que seu braço ficou fraco, e se verga mesmo ante a baixa tensão das delicadas cordas de nylon.

Mas me cortou o coração a forma como me olhou e finalmente me soltou, com a voz embargada, a pergunta presa há tempos em sua alma dissonante: porquê eu o deixei sozinho contigo? Como eu pude ser tão displicente, negligente, imprudente, ao deixá-lo a mercê de uma pessoa sabidamente perigosa para com os objetos que a cercam, sejam animados ou inanimados? Como confiar em alguém tão desprovida de sensibilidade, a ponto de deliberadamente machucar um instrumento musical?

Foi, de fato, muito difícil essa conversa. Ele tem razão, eu jamais deveria ter feito isso, por mais complicado que fosse para mim naquele momento específico ter a presença de espírito e agilidade física e mental necessários para protegê-lo. Alguns minutos de descuido e... pá, tarde demais. Pude apenas tentar mostrar-lhe que passamos, os dois, pela mesma provação.

Então prometi-lhe que não vou nunca mais submetê-lo a nenhum luthier, ou benzedeira, ou garrafadas, quimioterapia, análise, nada. Chega de sofrimento inútil.

Continuaremos nós dois, como sempre foi, talvez até mais unidos, pois agora somos ambos medíocres, compartilhando nosso estresse pós traumático.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Azul

Gosto muito mais de correr sob o sol que dentro da noite. Você corre, ganha resistência e ainda sai energizado. Afinal de contas, fica em contato direto com o coração do sistema solar, ao mesmo tempo em que sincroniza sua passada e seus batimentos cardíacos com o próprio beat do universo. Coisa linda.

Finalmente aprendi, então, que é muito melhor correr de viseira do que de boné, é muito mais leve, confortável e te permite sentir o vento não só na cara, mas também na cabeça. Parece que você não está usando nada, a não ser pela visão insistente da aba contra o céu.

Ganhei uma viseira cuja aba é azul, da cor do céu de Brasília de manhã. Agora nem vejo que estou com alguma coisa na cabeça, porque a aba, único lembrete, funde-se com o teto azul despojado de nuvens do inverno candango, como se fosse um camaleão montando minha cabeça.
Entretanto, mesmo sem eu perceber, aquela aba safada continua lá, escondendo tanto meu rosto do sol quanto qualquer coisa acima de mim dos meus olhos. Imagino quantos pássaros voando ou pousados nas copas das árvores deixei de admirar, na tentativa de evitar um câncer de pele na cara, sem sequer perceber que não os podia ver.

O fato é que qualquer outro obstáculo à minha visão plena do mundo poderia perfeitamente passar despercebido, por mais defasada que ficasse minha percepção.

Imagino-me o homem com aqueles antolhos na cabeça, feito cavalo. Se as palas que impedem a visão periférica tiverem a cor do senso comum, das suposições em que todo mundo acredita, ficaria invisível, camuflada.

E mais: se os antolhos fossem-me retirados, sairia eu em disparada, assustado com o que me era invisível, como um cavalo?

Viver à sombra da luz do universo, com medo do sol?

quarta-feira, 24 de março de 2010

Repeat, please

A prática, o treino, a repetição, a persistência, trazem em si algo oculto, uma força realizadora invisível e incrível, sem dúvida. E não interessa para qual objetivo o esforço aponte. Acho, inclusive, que o ditado que encerra esse ensinamento é "o trabalho enobrece o homem", com o que, aliás, eu nunca concordei, porque sempre interpretei ao pé da letra, e por essa perspectiva, realmente não vejo nenhuma verdade, já que praticamente todas as pessoas têm que trabalhar para comer, de forma que nosso mundo seria de uma nobreza só. Eu realmente não acredito em um valor inerente ao trabalho.
Mas hoje eu interpreto "trabalho", no contexto desse jargão, no sentido de uma conduta repetida diariamente, envolvendo disciplina e dedicação, e consigo enxergar que a persistência é um ato de feitiçaria, que permite o acúmulo de energia e poder pessoal, para ser utilizado da forma que convier ao seu dono.

Talvez o treinamento físico ou mesmo intelectual nem gere os efeitos esperados pelo acúmulo de condicionamento ou conhecimento específico; talvez os resultados sejam frutos indiretos da repetição, são um efeito mágico, e não prático.

É possível que se alguém com um propósito firme o suficiente para acreditar plenamente que consegue um determinado objetivo, consiga, apenas repetindo isso para si mesmo, dia após dia, o mesmo resultado que alguém que pratique exercícios efetivos diariamente. Em outras palavras, o treino efetivo talvez seja uma forma de nos convencer que podemos, convencendo a mente, ou o coração, ou a alma, de que merecemos e somos capazes.

Será por isso que algumas pessoas aparentemente sem talento são muito bem sucedidos?

sábado, 6 de março de 2010

Crime doloso, por motivo torpe e fútil

Que tipo de gente desliga o som no meio de um solo de guitarra só porque estacionou o carro?

quarta-feira, 3 de março de 2010

Te conheço

- Mas dói.
- Dói nada.
- Dói sim.
- Você sabe que não é assim. Eu sei que você sabe. É só escolher.
- Ok, não posso negar que não é assim tão foda. Mas é bom pensar...
- Não é não. Tem nada disso. Pensar nunca resolveu o passado. Pensar só faz sentido se for sobre o próximo passo.
- Mas aí esqueço quem sou, e não planejo meu futuro.
- Que saco, você finge que acredita nessa babaquice?
- Tá bom, tá bom. Esqueço que você é eu, e com a gente não cola.
- Cola não. Então vamos parando com o drama.
- Mas você sabe muito bem que eu não gostaria de estar aqui nesse momento, e nem só com você.
- Sei demais. Você é que não sabe. Acha que queria estar em outro espaço, quando quer estar é em outro tempo. Se é que a sua idealização já existiu em algum momento.
- É... acho que tudo o que já vivi não teve nenhuma importância mesmo.
- Ih, outro draminha.
- Mas é, você sabe disso e fica fazendo pouco caso.
- Não faço pouco caso; a questão é que o caso é mesmo pouco. Muito pouco, mesmo que a você ainda não pareça.
- É da nossa vida que você está falando.
- Mais uma vez, você mente. Sabe muito bem que realmente nada disso importa. E sabe que a vida é preciosa sim, mas não mais que a morte. E sabe que o importante da vida é agora. O que não é agora, não é.
- Você faz tudo parecer sem sentido.
- E você se apega à necessidade de sentido.
- Ah, e você? Existir sem sentido é o mesmo que não existir.
- Sei, sei. E você quer achar um sentido para justificar esse amor ao sofrimento. Só que não existe justificativa.
- O fim é sempre sem sentido.
- Claro que é, e só é assim porque o início também é, assim como o meio. A questão é esses últimos são mais parecidos com a mamadeira quente que você quer chupar.
- Você está me ofendendo.
- Quer que eu chore?
- Babaca!
- Obrigado. Antes babaca que um eterno neném. Até quando você acha que terá alguém para te limpar?

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Algum dos meus amigos, ou mesmo amigo só do roquenrou, que por acaso passar por aqui, poderia me dizer se existe uma música melhor que Michelle, dos Beatles?

Grato.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Muros (ou pontes)

As pessoas mantêm relações de várias naturezas, e não me refiro à "classificação" ou tipo delas. Existem relações pessoais e impessoais, para começar. Dentro delas, existem as relações de amizade, as profissionais, as de mera convivência, as de tolerância, de afeto genuíno, as de amor...

O problema é que a gente é muito dado às nossas manias, e sempre acabamos dando preferência ao tipo de relação que mais gostamos, que mais nos identificamos e sentimos bem. Daí porque esquecemos de nos relacionar pelas outras diversas modalidades.

Talvez daí venha o egoísmo, que precisa, como pressuposto de existência, ou pelo menos de subsistência, da generosidade. E o que não falta são os junkies de generosidade, gente que é mesmo viciada em dar, provavelmente para manter algum tipo de controle.

E por aí vamos nos apegando aos nossos vícios, aos nossos modos, às nossas manias, sensações e sentimentos prediletos.

Mas, falando a verdade, um tipo de relação parece que ganha, de longe, na preferências de nós humanos adictos: a relação sexual. A ponto de todas as outras relações passarem pelo filtro do sexo, da sedução, do flerte.

Dureza, literalmente.

Usemos camisinha, pelo menos. Tudo limpo, hígido e impessoal, e também insípito, incolor e inodoro, como todo mundo gosta.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Rise and shine

E de repente se acorda. Como se pela ingestão de uma pílula mágica. Uma pílula que prova que se o que vem fácil, vai fácil, o quem vem mais difícil também se despede de forma mais dramática. Mas uma hora ou outra parte. E deixa pra trás o mesmo ser que encontrou quando chegou, mas mais forte, depois dos primeiros momentos de abstinência. É tipo uma tatuagem de rena mal aplicada, que parece que é, mas não é, e acaba sumindo, mas deixando uma cicatriz por cortesia da falta de perícia do tatuador. Ou ainda como uma vacina, que depois de enfraquecer um pouco, talvez até mesmo trazendo febre, te deixa pronto pra enfrentar a guerra.
E que venha Napoleão. Ou Cleópatra.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Para a minha menina

Menina, minha menina:

Se quer ser minha, menina, saiba que não precisa dizer que me ama;
apenas me ame, porque as atitudes valem mais que palavras, mas, mesmo assim, não banalize o verbalizar.

Do mesmo jeito, não tome meu amor tanto pelo que sai da minha boca, pois minhas palavras podem ser duras; usemo-as, antes, para defendermo-nos dos ataques que por ventura soframos, posto que eficientes meus argumentos e grossa a minha voz.

Sinta meu amor pelo carinho extremo, pelos beijos nos seus olhos, pelo meu abraço apertado pela cintura, pelo passeio suave das minhas mãos sobre suas costas, pelo roçar do meu rosto na sola dos seus pés, que pra mim serão sempre de Cinderela.

Entenda, minha menina, que a escolha é apenas um lado da moeda, cujo opositor é a renúncia
e tenha certeza que esse jogo não é de azar, pois o meu amor é produto dificilmente perecível, e igualmente exclusivo.

Seja paciente, pois meu ritmo taurino pode fazer demorar até que você consiga captar em meu olhar aquilo que qualquer pessoa sã procura;
e tenha certeza que se for você a demorada, do tipo touro com ascendente em touro, estarei no fim do seu tempo, te esperando de braços estirados e coração aberto, louco para te dar um beijo de boas vindas, para que prossigamos nossa jornada lado a lado, dedos trançados.

Se conseguir, me poupe das suas justas cobranças na minha queda - pago com juros na ascenção, que, junto contigo, minha querida, é certa. Em troca, terás um arrimo sincero a te amparar quando fores tu a cair.

Desejável que entenda um pouquinho de física, para saber que, em princípio, o amor não ocupa o mesmo lugar no espaço que a paixão, sendo necessário que esta se vá por um tempo, para que aquele se estabeleça forte, concreto, resistente e duradouro.

À noite, deixe nuas as suas costas, que a minha boca é feito imã, e meu hálito quer sempre sair pela sua nuca, minha querida. Procure mantê-las saudáveis e fortes, pois, nas noites em que ardamos, inevitável eu nela cravar meus dentes, buscando, talvez, gravar na sua alma a imagem eterna do nosso amor.

Releve minha chatisse, que relevo eu sua loucura e qualquer celulite, pois sei que um amor de verdade é mais precioso que qualquer coisa de superfície.

Seja bela, mas não tanto que lhe faça apaixonar-se pela própria imagem, a fim de que não se afogue nas águas frias do seu poder, mas prefira viver no conforto do meu corpo quente, que é seu, só seu.

Espero que sua perspicácia seja maior que a minha confusão, e que seus olhos sejam de lince, para que não corramos o risco de não nos reconhecermos, pois tenha certeza, menina, que sabendo quem você é, meu laço não te solta.

E, se por acaso, um demônio qualquer me tirar do seu coração, olhe no fundo dos meus olhos, com ternura e cuidado, por respeito genuíno pela nossa história, para só depois seguir adiante, a fim de que eu sangre, mas não tombe.

Nada disso é exigido; é apenas o meu pedido, minha menina, minha mulher, meu amor.

Dom Juan

"Dom Juan sempre dissera que o único remédio para o nosso desespero era a consciência de nossa morte, a chave para a ordem de coisas do feiticeiro. Sua idéia era que a percepção de nossa morte era a única coisa que podia nos dar força para suportar a prisão e a dor de nossas vidas e o medo do desconhecido (...) eu tinha de me resolver a fazer com que essa percepção testemunhasse os meus atos".

(Carlos Castañeda - O Segundo Círculo do Poder)

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Foi mal

Tentei. Juro que tentei, ó meus amigos de Xarapa. Antes, na adolescência. Agora, depois do estardalhaço causado pelo show no Brasil. Peguei 3 ou 4 discos, ouvi bastante. Mas, numa boa: AC/DC não dá não, pelamordedeus.

Desde o visual motorista aposentado + menino véio manga larga marchador até a homogeinidade imutável dos riffs de guitarra, passando pela garganta pato donald, é muito chato.

E ninguém pareceu nem notar que o Metallica apareceu por aqui...

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

... No justice for all

Eu tive um professor que muitos dos meus colegas achavam péssimo. Alguns o odiavam - que o diga meu brother Coala e a sua eterna esposa.
Eu nem me lembro, pra falar a verdade; nessa época, tudo me interessava, menos o que saía das bocas docentes.
De vez em quando, entretanto, eu ouvia uma ou outra coisa, e uma delas me marcou bastante: esse cara disse que justiça não existe. E, pra provar, mandou perguntar para quem perdesse um litígio se houve justiça. Lembro que foi um argumento ignorado por todos, mas que me fez muito sentido. De fato, nunca vi ninguém resignado com a "derrota", tampouco um "vencedor" sentir-se injustiçado.

Acho que a justiça, no fim das contas, é meramente um sentimento, ou seja, sempre subjetiva. Impossível confrontar os fatos à regra, o que configuraria a justiça absoluta, objetiva, simplesmente porque não existe a tal regra, não existe a verdade. E digo isso com tristeza, eu que sempre procuro saber qual é o certo, até mesmo (geralmente...) para fazer o errado.

De toda forma, se justiça parece não existir, a injustiça está aí, asas abertas, implacável, olhando no olho com um sorrisinho de lado, que todo mundo odeia ver, mas adora estar em situações que permita estampá-lo no próprio rosto.

Se é assim, acho que nada é mais injusto que uma história de dois contada só por um. E talvez por isso mesmo a humanidade seja tão familiarizada com o injusto e tão distante do justo, porque o cara sempre ouve apenas uma das versões.

Ou você, por acaso, já foi atrás do antagonista do seu amigo para saber dele o que aconteceu?

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Help

Há pouco tempo entrei numa livraria para procurar um livro.*

Enquanto eu examinava a profusão de cores ao meu redor e me lembrava que, em relação às livrarias do mundo real atual, a minha imagem mental de uma livraria, formada na minha infância, parece mais uma caverna filmada em preto e branco (ou black and white, como diria o miguel filho do jack), a moça vem e me pergunta se pode me ajudar. Respondo que procuro determinado livro, ao que ela me diz: ah, é aquele de auto-ajuda, né?

Aquela colocação me provocou uma profunda reflexão de um nanosegundo - alguma coisa estava fora da ordem. Pois veja, se se considerar que aquele livro pode, de alguma forma, ajudar alguém, como dizer que se trata de auto-ajuda, se não fui eu quem o escreveu? O bom samaritano ou é o autor ou, pra ser bem gnóstico, o próprio livro. Eu? Não.

Fora que, se aquele livro, ou qualquer outro, é de auto-ajuda, qual não será?

Saí de lá intrigado. Passei num sebo e comprei o livro.





*Não...

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Vazio

Quando o homem entrou pela porta, nada passava em sua cabeça. Não lembrava mais do cachorro de sua infância, nem de quando as ruas eram de terra, ou do quanto era feliz ontem, nem do quanto é infeliz hoje. Não pensava que seria ótimo comer um prato de mexido de banana com queijo, nem lembrava do quanto gostava de tomar um vinho.
Mulher, não lembrava nem que existia, quanto menos do cheiro que traz entre as pernas ou o gosto dos peitos.
A raiva pela dinâmica das relações (im)pessoais do mundo, o amor pela família, a compaixão pelos animais - nada.
Todo o seu ser, e também seu não ser, tudo tomado por uma angústia sem fim, nem começo, nem limites, que ao mesmo tempo lhe sufocava completamente e lhe trazia a urgência de correr como Forrest Gump.
De todas as lembranças ausentes, talvez a principal fosse o momento exato em que se perdeu, em que as coisas deixaram de estar tudo bem para se tornarem um tormento sem fim.
Olhou muito tempo pela janela, e não entendia como tudo lá fora era tão bonito, e como tudo dentro era tão hostil.
Então lembrou de Deus, ou das pessoas lhe falando sobre Deus, e pensou como é que podiam existir tantos deuses no mundo, um para cada ser consciente da Terra. E se questionou se o seu Deus poderia lhe indicar a saída. Porque ao contrário de várias pessoas que conhecia, não acreditava muito que depois de ter ganhado a vida, um corpo (quase) perfeito, inteligência, sensibilidade, uma ótima infância, poderia ainda pedir alguma coisa. A existência já não é o maior presente?
Antes que chegasse a alguma conclusão, sua atenção foi captada pelo não-vôo de um beija flor azulado com a cara enfiada numa flor de ipê. E, mais uma vez, esqueceu de si. E berrou, com força igual a imensa dor que sentia, tão alto que ninguém ouviu. Ninguém nunca ouviu aquele berro, como todos os outros anteriores. E se encolheu, querendo dormir, talvez. E dormiu, desejando nunca mais acordar.

sábado, 3 de outubro de 2009

Me diz: porque o céu é azul?

O menino tinha uma coleção de pupas. Pupa é a fase da vida da borboleta em que ela não é nem lagarta, nem borboleta. Ela só é. Casulo não é conteúdo, é continente.
Pegava um pedaço de linha dez e ia prendendo a hastesinha das pupas com um nó-de-correr, e deixava pendurado o varal de metamorfoses em cima do tanque.
Era fascinante ver aquela lagarta em preto e amarelo, parando de cabeça para baixo de uma hora p/ outra, dependurando-se com a bunda, fazendo um abdominal e ir tecendo com as mil pernas aquele casulo verde com dourado.
Nessa hora dava p/ colher as pupas, e pendurar no varal. Depois, elas iam escurecendo, ficando azuladas, acinzentadas, até que dava pra ver a borboleta apertadinha lá dentro, a casca da pupa já totalmente transparente.
Então a borboleta sai, e abre as asas. Fica abrindo e fechando as asas para secar e endurecer, e depois de quase um dia desse jeito, sai voando. Qualquer treta na hora de sair, faz a asa enrolar em si mesma e aí já era.
Como era mágico assistir a uma metamorfose. Ele se certificou que não sobrava nada mesmo, abrindo com estilete as pupas em diversas fases, e viu que só o que havia era um líquido fedorento.
No futuro, ele iria pensar que as crianças têm que aproveitar a facilidade natural de enxergar milagres, senão o adulto nunca vai conseguir ver nada que importe de verdade.
Saberia ele que o poder do Sol causa menos impacto que a versão nova do iPhone. Que a água evaporando, depois caindo, depois refletindo um arco íris, passa despercebido perto da marca da Red Bull ou dos móveis padronizados da Toc Stok. Que o vôo dos aviões é mais admirado que o dos pássaros, e que a beleza da TV de plasma chama mais a atenção que os próprios fundamentos da existência da eletricidade, das ondas de rádio e do campo eletromagnético, que ninguém inventou, mas que move tudo que foi inventado.
Saberia ele que o grande milagre da vida é o despertar para o fato de que tudo na vida é um milagre.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Orgia

Na vida de um homem, passam alguns homens. Um cara tem várias histórias com outros caras, afinal de contas esse lance que mistura afinidade sem motivo com algumas outras coisas, e que foi denominado amizade, é um vínculo muito forte, talvez o mais forte dentre os vínculos voluntários. Acho que só o fato de ter a capacidade de ignorar vários preconceitos, inignoráveis por outros tipos de relação, já mostra sua força.

Passam, entretanto, muito mais mulheres que homens na vida de um cara.
O porquê disso, acho que cada um tem o seu. Mas as meninas estão aí, por todos os lados, te olhando com todo o tipo de olhar que existe.

O lance é que os sentimentos pelas outras pessoas não são estanques e nem exclusivos, de forma que as relações misturam características de vários deles, e talvez a gente identifique qual é apenas pelo trejeito preponderante (que também é mutante), ignorando o resto.

Eu diria que até mesmo as sensações são assim, o que possibilita a alteração da percepção do mundo pelos sentidos, como se a realidade, incluindo as relações humanas, fossem na verdade uma faixa de frequência.

Por isso gosto de gente que consegue oscilar um pouco a sintonia - dá para vibrar um pouco usando a antena alheia (num sentido totalmente não-sexual), para abordar a realidade com outra atitude, aprofundando um pouco mais o contato direto com o mundo, que ao mesmo tempo é o contato direto consigo próprio.

E fazer isso com uma menina, aí é que é legal. O que ela capta é muito diferente do que capto eu. Acho que um brasileiro é mais parecido com um bielorusso do que com uma brasileira, então dá pra aprender a falar até esperanto.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Corrosão

Coisa difícil de aceitar é que os nossos erros não anulam nossos acertos. A imperfeição não invalida as virtudes que se tem.
Pra conseguir ser livre de verdade, é preciso perdoar. Mas tem que ser tudo e todos. E o perdão mais difícil é o concedido a si próprio.
Eu acho impossível alguém conseguir dar o que não tem, então só quem conseguiu o auto-perdão é que pode ser capaz de perdoar outras pessoas.
Acho que o auto-perdão é a pedra fundamental para a libertação da culpa, e a libertação da culpa te dá asas.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Alma

Ela virou pra mim e falou que eu era mais corajoso, entrando consciente naquela onda. Na hora, pensei que isso não tinha nada de coragem, mas de natureza, de falta de opção mesmo. Vai ou vai - o outro jeito é negar o próprio destino, tentar controlar o suceder das coisas.
E não dá mesmo não, porque o fato de saber que você vai ganhar de presente uma dose bem servida de intranquilidade de alma é também de uma atração e fascínio irressistíveis, como luz para mariposa.
Ninguém com alguma coisa correndo quente nas veias vai jogar fora uma oportunidade de ter o sossego um pouco perturbado por aquela brisa típica, mais ou menos como a brisa etérea que envolve São Tomé das Letras e que a gente sente com todos os sentidos.
É como nunca mais sentir o vento na cara e no cabelo por preguiça de correr.

As alterações na percepção do mundo sempre trazem conhecimento, sempre são proveitosas, colocando tudo em perspectiva. Se a impermanência é a lei que rege o universo, então a criatividade e liberdade de abordagem das questões são caminhos de crescimento pessoal e transpessoal, e isso traz poder.

Nenhum tipo ou tamanho de paixão foi feita para ser abortada, como diz meu camarada Lanolina. Paixão foi feita pra ser vivida, pra consumir e ser consumida.
Pra te dar consciência da fragilidade da forma, da efemeridade das coisas manifestadas.

E ainda tem a vantagem de ser um trem totalmente egoísta, sem culpa nem remorso, de forma que não tem muito conflito não - a paixão sabe muito bem o que quer e não em escrúpulos, e te impulsiona a realizá-la. Quando a casa cai, a paixão já foi embora, ilesa, mas as consequências permancem.

Vai falar que você acha ruim?

GO GET IT

Tenho preguiça de quem critica a cultura do povo dos Estados Unidos. De gente cool então, que diz que a cultura européia é mais... cool... Não que eu conheça um ou outro lugar. Não, ainda não tive esse prazer.

De qualquer forma, uma das coisas que dizem sobre os americanos lá de cima, é que o cinema deles é muito ruim. Não se assuste, estou novamente falando dos cools, que não podem gostar de norteamericano. Se tiver começo, meio e fim, é palha. É careta. É burro. Mas o que eu quero falar mesmo é que seus filmes são criticados porque supostamente são muito violentos e influenciam negativamente as criancinhas inocentes. Acho que acham que as criancinhas batem nos mais fracos, pegam cachorrinho pelo pescoço e gatinho pelo rabo por causa dos filmes. E dos video games violentos, tipo aquele que você é um fela, que rouba carro e mata os outros, o GTA. Pra mim, e pra todo mundo com um mínimo de discernimento, isso é uma besteira. Se não fosse, quem espancaria os outros na rua seriam os nerds, não os playboys que nem conseguem ver filme legendado ou entender o que fazer num video game.

Mas eu, por minha vez, fui muito influenciado pelos ianques (seja lá o que signifique isso). Principalmente com relação aos heróis, e especialmente com relação ao amor. Com os filmes americanos, aprendi que existe amor incondicional entre homem e mulher, e que existem homens com convicções inabaláveis, ainda que vacilem aqui ou ali. Sou fã do Clint Eastwood, sabe? Meu pai foi bem clint eastwood, incorruptível, corajoso, durão por fora, coração mole por dentro.

E eu entrei na onda. Achei que legal era ser assim, rebelde, mas mais honesto e humilde que os conformes. Mel Gibson, Charles Bronson. Van Dame. Stallone. E esse é o meu erro. Aprendi a ver o mundo pela perspectiva holywoodiana, acreditando que tudo acaba bem, e que algumas coisas não acabam. Que existe outra metade. Que seu coração vai te dizer quando ela aparecer, e que tudo vai ser mais importante. Que os dois não vão querer saber de dinheiro, só amar, igual ao Tim Maia.

Ria. Pode rir mesmo. Sei que sou mané. Sei que o filme europeu tem razão. As pessoas atam laços entre si com nós cegos e cordas de conveniência. O pai come a mulher do filho, se ela for gostosa e der moral, e ela dá moral, se ele for interessante, tipo o Jeremy Irons e a Juliane Binoche. Eles se arrependem depois, e não adianta. O cara morre do mesmo jeito. Acho que isso é o retrato mesmo da diferença entre as culturas (lá vou dar palpite de novo sobre o que não conheço. Mas eu penso, logo, conjecturo). O americano enxerga o mundo assim porque tem esperança e fé inabalável. O velho mundo já tá velho, e já perdeu as ilusões com a humanidade. Tudo o ser humano é normal, desde que seja escroto. Tipo o Marlon Brando passando manteiga na bunda da mulher no apartamento vazio.

Eu sei é que o ser humano é movido a esperança, e o que a prejudica não deve ser bom não. Tem que fazer igual os EUA e acreditar que se merece tudo o que se quer.

GENTE

A gente perde o tesão. Vai embora, junto com a coisa que o sustente - admiração, gosto da novidade, amor, amizade...

Amor também vai embora. Se precisar, vai até à força. Se for o caso, claro, porque eu acredito que haja amores e amores. Uns são macho mesmo - permanecem sob qualquer intempérie.

Agora, amizade a gente não perde, de jeito nenhum. Amizade fica lá. Se alguém perde uma amizade, na verdade não perdeu nada. A não-decadência é característica inerente à amizade. Se o negócio é prescritível, então nunca foi amizade.

Aa relações têm vida própria, cada uma escorre de acordo com a sua viscosidade na parede da taça pela metade. A mistura pode transformar chumbo em ouro, ou não. Portanto, as mesmas situações que enriquecem e incrementam uma relação podem acabar com outra, por conta dessas idiossincrasias.

Quem irá dizer quais dos envolvidos são beneficiados em cada uma das hipóteses?

E quem puder dizer isso, aproveita a visita e me explica o que é o amor, a amizade e o tesão, por gentileza.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Minha culpa

Não sei pra quê serve a culpa. Porquê ela tem que servir pra alguma coisa. A minha é grande e dolorida. E antiga.

E o pior é que as coisas que me dão prazer são as que me lembram do mal que eu fiz.
Quando criança, fiz mal a muitos animais. Matei muitos insetos à toa, matei muitos passarinhos, lindos, indefesos, inocentes, por diversão. Maltratei e machuquei muitos gatos e outros bichos, talvez com exceção de cachorros, dos quais sempre fui amigo.
E o que recebo em troca? Bem, os pássaros continuam a embelezar o meu mundo, cantando, voando, me fazendo esquecer das minhas tristezas, fora essa culpa. Os animais continuam sendo meus amigos em sua inocência, geralmente me permitem o contato físico, o olhar direto, os cães continuam me permitindo ter a sensação gratificante do toque de seus focinhos, das arranhadas de suas patas, do som de seus latidos e choros.
E tenho certeza de que, quando eu morrer, virão me socorrer o Toquinho, o Buck, o Xamã, o Thor, o Ozzy, o Pepper, e, quem sabe, também virão me saudar as andorinhas que eu matei, talvez até auxiliando a minha defesa frente ao Criador, me ensinando o perdão.
Do fundo do meu coração, peço perdão a todos vocês, animaizinhos covardemente machucados e mortos por mim, e peço perdão à Fonte de tudo, que jamais me autorizou a qualquer atitude nefasta como essas. Sei que não foi pra isso que eu nasci, não foi pra isso que fui presenteado com meu corpo em bom funcionamento, minha inteligência, minha boa mira. Se eu pudesse voltar atrás, nunca repetiria esses erros. Mas não posso...
E muito obrigado ao chefe Paulo, chefe Roberto e outros responsáveis por acordarem minha consciência quanto à reverência e respeito devidos à natureza, através dos ensinamentos do escotismo. Vocês me tiraram desse caminho torto de desrespeito às plantas e aos animais, me fizeram perceber que eles são meus irmãos mais novos, que devem ser protegidos e amados, e isso tem um valor inestimável.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Eu acho que Master Blaster poderia ter sido composta pelo Itamar Assumpção tranquilamente.

Acho também que as coisas dentro de mim não cabem nesse corpo. Um e oitenta e seis tá pouco. Posso dizer que tenho problemas de coração, fora o prolapso da válvula mitral (com o qual morrerei, mas não pelo qual, segunda a médica). Meu amor é cumulativo. Ou melhor, meus sentimentos são cumulativos, e absolutamente não excludentes, ainda que incompatíveis, e indiscriminatórios.

Quer dizer, minha vida é uma bola de neve, crescendo morro abaixo. E a ladeira é cada vez mais íngrime.

Um dia alcanço a beira do precipício.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Gladiador

Descobri que a grande maioria das preocupações são inúteis, que perco tempo com coisas sem valor, sem sentido, sem nenhuma importância.
Descobri que a minha relação com todas as pessoas do mundo é a minha relação comigo mesmo, com meu próprio ser.
Daí porque a maior besteira de todas, a maior e mais perigosa de todas as piadas, é a guerra. A guerra é um estado constante entre as pessoas, e sendo assim, é um estado interior incessante. Querer aniquilar outra pessoa é a busca pela auto aniquilação. Cada soco proferido atinge o próprio estômago.
A nefasta ironia é que basta um gesto seu para que tudo isso acabe, para que todas as desavenças sejam dissolvidas. Basta ceder. Só isso. No trânsito, é dar preferência a quem não tem. Na briga, dar razão a quem estiver errado. Na rua, sorrir para quem te insulte, pergunte qual foi seu erro, olhar com verdade nos olhos de quem queira te ofender. Ser inocente. Encarar as pessoas de peito aberto, e não de punho fechado. Entenda que quando um não quer, ninguém briga. Dizer a verdade a quem mente, revidar o tapa na cara com um abraço. Buscar sempre a alteridade, e nela, a compaixão. Muito mais importante que a vitória, é a paz.
Internalizar a consciência de que forte é quem age como quer, e não quem reage como os outros querem; é dominar a si mesmo, e não ser dominado pelo lobo carniceiro que governa o outro.
Sirva a Vênus, não a Marte.
No fim das contas, ceder ao outro é dar espaço para o seu próprio Ser, e aceitar o outro é aceitar a si mesmo.
A escuridão não pode ser vencida com mais escuridão, só com a luz.
Ceder é muito mais fácil que perdoar, já que não existirá porrada a ser esquecida, por que ela nunca terá acontecido.

Vi que em algumas situações, talvez as mais importantes, o meu amado significado preciso das palavras tem serventia reduzida, porque vale mais a mágica que a gramática. As palavras são encantamentos, que são muito mais poderosos que o convencimento.
Posso pedir desculpas estando completamente consciente de que não as devo, o que não tem sentido, pelo olho da razão e da lógica. No entanto, posso estar consciente o bastante para usar o efeito que um pedido de desculpas geralmente tem, que é de dissolver conflito. Tinner de treta.

É igual com o perdão. Se você diz a alguém que o perdoa, mas não tem tanta certeza, o efeito mágico da palavra reverbera e acaba influenciando o próprio sentimento de perdão a aparecer. É como se a pronúncia da palavra invocasse determinado entidade, que você internaliza se estiver aberto. Do outro lado, mesma coisa, porque a pessoa vai ser afetada na mesma hora, e aos poucos vai se sentindo perdoada. E aí acaba a parada.

A conversa de que dar um boi pra não entrar numa briga e uma boiada pra não sair é o estandarte da ignorância. Aliás, a origem da palavra ignorância com certeza deve ser alguma coisa do tipo "sem luz", "sombrio", etc. O negócio tinha que ser dar uma boiada pra sair da briga e não entrar em outra nem ganhando outra manada.
Conseguir dominar o instinto agressivo não é fácil, é necessário estar sempre alerta, atento e forte. Forte pra se render. MIlhares de anos de guerra imprimem uma memória e condicionamentos profundos na gente, que não vai ser apagado de uma hora para outra.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Peixe não sabe o que é chuva

Quem vê, sabe

A medida de todas as coisas é a cara-de-pau.

A desmedida é a paixão.

A unidade de todas as coisas é o amor.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Só faz frio onde é quente

De tudo que entra
De tudo que sai
Um pouco fica
Um pouco vai

domingo, 11 de janeiro de 2009

Karma Police

Enquanto sorvo sozinho
mais uma garrafa de vinho
tenho aqui comigo
que se no universo houver justiça
cada garrafa bebida sozinho
me libera de um pouco de dívidas
e me ajuda no meu caminho

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Quem?

Meu amigo disse que meu irmão está mais parecido comigo do que eu próprio. Legal. Estou no caminho certo. Meu irmão, nem tanto.

domingo, 23 de novembro de 2008

Ouro puro

Acho que vou voltar, apesar do destempo. Pra começar, vou postar um texto que escrevi já tem um bom tempo, logo depois da época em que roubaram um relógio do Luciano Huck, nem lembro mais quando, e que encontrei aqui nos rascunhos. Como o que interessa não é a notícia, taí.









Cheguei atrasado. Acabei de descobrir que o Luciano Huck foi assaltado. Levaram seu Rolex. O cara ficou puto, e escreveu um manifesto na Folha de São Paulo. Pra ler o artigo, precisa de senha de assinante, mas eu achei alguém que fez o favor de jogá-lo na roda. Dá uma olhada e depois volta aqui.

Viu? Foda né? Pois é. Aí teve uma galera que ficou puta com a putisse do Huck. Tem aí na internet, pra todo lado.

Teve um cara aí (rapper, parece) que criticou, tentando mostrar o lado dos bandidos e pá, que não tem oportunidades e não sei o quê. Outros falaram que é só uma raivinha de burguês, que, como tal, acha que a polícia tem que proteger seu mundinho de playboy, como se fosse seu empregado particular.


Outros apoiaram, com argumentos mais ou menos no sentido de que violência é violência, seja contra quem for, que lugar de bandido é na cadeia e que ser rico não é pecado.

Li algumas dessas críticas, achei algumas bem escritas, tanto de um lado quanto do outro.

Bem, o bonde já andou. Mesmo assim vou falar a respeito, porque veio à tona um aspecto que sempre me incomodou.

Eu acho mesmo que nada justifica o banditismo, ainda que algumas coisas possam, em tese, explicá-lo. É muito revoltante trabalhar pra conseguir as coisas e depois ser roubado e humilhado. Assim como ser vítima de qualquer tipo de injustiça. Qualquer um que já foi assaltado sabe disso, é uma sensação indescritível de tão ruim, principalmente quando não tem condições de comprar outro do que foi levado, e aí vai lembrar por muito mais tempo do ocorrido. Isso se não apanhar ou morrer.
Do mesmo jeito que os ìlustres e vossaexcelentes detentores do poder político justificam qualquer atrocidade cometida usando o argumento interesse público ou outra babaquice assim, quem é safado e vagabundo aparece com o papinho de que os outros são ricos e rico é desgraçado.

Rico ou pobre, todos deveriam ser protegidos.


Por outro lado, acho que o Luciano ficou muito nervosinho, falando como se tivesse sido vítima da maior tragédia do mundo, quando ele simplesmente passou por uma experiência que, apesar de horrível e inaceitável, é muitíssimo corriqueira e que não trouxe NENHUM prejuízo pra ele, porque não sofreu nenhum arranhão e o valor do relógio é dinheiro de troco pra ele, bem como para a sua digníssima (e absolutamente sem graça ou talento) esposa ou qualquer outro dos seus amigos VIP.


Pra falar a verdade, senti até um certo despeito no texto do Huck, como se ele tivesse achado um pouco ruim o fato de os assaltantes não terem aliviado a dele, afinal de contas ele é famoso, porra! É carismático, dá 10 mil para o povo no seu programa, conserta carro velho da galera... Acho que ele queria que os caras chegassem: - Aí playboy, perdeu! - Não cara, vambora, é o Luciano Huck, foi mal Luciano, até mais, vai com Deus...


Já fizeram isso com o Pelé, não foi?

Mas tem uma perspectiva que foi menos explorada das opiniões que eu li: o que representa o objeto roubado - um Rolex.

Segundo a imprensa, o relógio vale em torno de 50 mil reais (R$50.000,00). Aliás, custa, mas nem de perto vale, na minha opinião. Pra quem nunca viu um Rolex de perto, informo que ele não faz nada além de marcar as horas, talvez o dia do mês. E é aí que mora o problema.

Eu morro de preguiça, pra falar o menos, de jóias. Pra mim, é o cúmulo da indiferença, soberba, ostentação. Serve pra nada. Enfeite precisa só ser bonito, uai.


Um carro mil, tipo um Uno, custa X. Um Pajero TR4, uns 3X. Qual é a diferença? Fora o status, um é condução, enquanto o outro é carro. Um tem freio que é uma repetição do mesmo principio dos freios que eu fazia nos meus carrinhos de rolimã; o outro, freio a disco, com ABS nas 4 rodas, e air bag duplo. E por aí vai. Justo ou injusto, existe uma justificativa na diferença de preço, que é a tecnologia.

Mas qual é a diferença entre uma jóia e um artigo análogo, mas não "nobre"? E não estou sendo irracionalmente radical não. Não estou comparando um reloginho Cassio preto digital com um Rolex não.


Mas a verdade é que com 2 mil reais (que já é muita grana pra se empregar num relógio), um homem consegue, sem maiores problemas, comprar um ótimo relógio, com visor de safira (que não arranha, igual ao do Rolex), com máquina Suíça (igual ao Rolex), muito mais bonito que o Rolex (cujo design, na minha opinião, não tem nada demais, super antiquado), movido à luz (não precisa nunca de trocar bateria e nem balançar no braço) e que ainda tenha alarme, cronômetro, contagem regressiva, e por aí vai.

Ah, mas o Rolex é de ouro. E daí? Pra que serve um relógio de ouro? Respondo: serve pra ser de ouro.


Ostentação é a palavra. E isso é perverso.


O Luciano Huck é tido como talentoso, trabalhador, alguém que nasceu com boas condições mas que venceu por seu próprio mérito. E que ainda ajuda os outros, tendo fundado até mesmo uma ONG, que supostamente é eficiente e séria. Certo. Conheço de perto outras pessoas que também venceram pelo próprio esforço, que também ganham muitíssimo dinheiro, e que também (supondo que o Huck seja) são bastante generosas.


Mas, como brasileiros endinheirados que são, padecem da mesma doença: ostentação crônica.


Ostentação é besta, é coisa de ditador megalomaníaco. É inadequado, e como tal, é brega. No Brasil e em outros países com a nossa desigualdade social então... é uma ofensa séria, é um tapa na cara, é um 38 apontado pra cabeça. Acha exagero? Tem certeza? Pois o 38 apontado para o Huck significou pra ele a humilhação de ser vítima de uma injustiça e ser absolutamente impotente frente a situação. Uai, pra qualquer pessoa que não seja muito bem de vida, uma pessoa da classe média, por exemplo, é humilhante saber que, no fim da vida, vai dar graças a Deus se tiver conseguido comprar uma casa, ter um carro, enfim, ter juntado um patrimônio que garanta a velhice. Ou seja, trabalhar a vida toda pra conseguir uns 4 ou 5 presentes de aniversário de gente rica. Isso é uma injustiça contra a qual não há o que se fazer (licitamente), salvo aceitar ou morrer de raiva. É um 38 apontado para a cabeça.

Ostentar é tripudiar, é desprezar milhões de pessoas. É fazer como o Quico faz com o Chaves: eu tenhoo, você não teem...E nunca vai ter, a não ser que tome um, enquanto o Quico faz terapia para tentar controlar sua infelicidade, angústia e frustração por não existir uma bola quadrada para comprar no shopping.


É esfregar na cara das pessoas a verdade do Brasil - a grande maioria das pessoas nunca vai conseguir, durante a vida toda, acumular o equivalente ao que, para os "Quicos", é só um agradinho, um mimo, um... presente.

Acho que o Huck tem tanto dinheiro que perdeu a noção, que não percebeu quão ridículo foi o seu papel de chorar as mágoas publicamente, num jornal tão famoso, expondo o luxo com que vive. Esqueceu que isso era assunto para a sua rodinha de amigos milionários, aqueles que a Angélica mostra jogando golfe, praticando equitação, ou simplesmente ostentando (claro) o luxo de suas casas naquele pseudo-programa que passa imediatamente antes do programa de seu marido.

Em seu lamento, Huck pergunta quem compra os relógios roubados. Pois se ele não sabe, eu sei.

Sabe quem é? É quem sabe que existe isso, tem vontade de ter, mas não tem grana ou não quer gastar com um novo.

Tendo em vista que não combina com luxo não ser novinho em folha, acho mais provável que não seja um rico. Mas, se não é um rico, de onde o cara tirou essa idéia? Onde é que ele viu que existe rolex? Bem, acho que no braço de alguém, não é?

O problema é bem mais profundo e arraigado, é o mesmo motivo que leva as pessoas a gastar mais com roupas que com alimentação, andar de ônibus mas ter um Motorolla Rosa, fazer pós doutorado e não ter educação (que, no frigir dos ovos, se resume em enxergar e respeitar o outro, principalmente o que não tem nada pra te oferecer).

Quem ensinou que pra ser feliz você precisa de objetos inúteis? Quem ensinou que você precisa ser padrão? Deve ter sido muita gente, mas pelo menos duas dessas pessoas eu sei quem foram: Luciano e Angélica Huck! Sim, eles, quando fazem propaganda de jóias (aquela que a marca é um frango de luxo), de financeiras (que são agiotas legalizados, assim como bancos), ou de produtos para deixar o cabelo das meninas diferentes do que são, ou sei lá mais o quê - tudo isso que faz o sentido de existir a televisão, os outdoors, as revistas, novelas e etc, ordenando: seja patricinha de qualquer jeito, que é legal.

Claro que a minha análise beira o ridículo, uma vez que não sou estudei antropologia, sociologia, psicologia, e outras coisas complicadas de gente intelectual a fundamentar minhas opiniões, mas também não levo jeito para defender teses e dissertações formais e respeitáveis, tendo em vista minha vira-latisse imanente. Mas tenho a fantasia de que é mais verdadeira que essa conversinha clichê de playboy (ou de burguês, como diria o bicho-grilo de universidade federal) de movimento pela paz, ou de basta, e todos esses de sair andando na rua com camiseta branca domingo de manhã depois que alguém que eles conhecem morre na balada. Depois da manifestação, saem rumo à churrascaria Porcão e a novas formas de ostentação - quem sabe um modelo novo de caneta Mont-Blanc, ou uma de bolsa pra carregar cachorro da Louis Vitton, ou de capinha de ouro e brilhantes para guardar celular?

Então, Hucks, vou falar o seguinte pra vocês: fiquem caladinhos, tá? O negócio tá bom demais pra vocês.

E pra vocês, pobres que sonham com ouro: fiquem espertos.

Só a verdade nos libertará, nada existe fora. Eu acho.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Raúla

Faze o que tu queres.

Depois, cumpre a pena, pois é tudo da lei.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Wherever I May Roam

Dizem os caras que o homem começou a andar com os lobos por conta das vantagens em se usar alguém para ajudar ou mesmo fazer nosso trabalho. Cada indivíduo ou comunidade selecionando deliberadamente as características que mais conviessem – caça, guarda, alarme, guia, ataque... – apropriando-se da acuidade dos sentidos caninos. Amansaram-se os bichos e eles viraram cachorros. Outros continuaram putos e ojerizados com a gente, permanecendo longe, selvagens, livres, cautos, lobos. Lobo mau.

Mas eu acho que o negócio é um pouco diferente. Eu acho que o homem e o cão começaram com essa promiscuidade por causa do prazer em andar no mato junto com o outro. Acho que nasceu da curiosidade, do cheiro de comida, e uma vez que o olhar de um homem cruzou com o do lobo andando ao lado, nasceu o vínculo. Um olhar encontra no outro o tipo de compreensão, positividade, segurança, que a sua própria espécie não conseguiria mostrar.

Talvez a nossa igualdade, que na vida comum parece não existir nem a pau, seja uma verdade. Uma verdade que pode ser muito pesada. A relação com um ser que é de outro tipo, outra consciência, e ainda assim com mesmo valor, talvez isso traga uma pouco de alívio. Alívio de ser gente. Alívio pela experiência de uma interação que exclui um intermediário: a linguagem. Transmissão com altíssima velocidade e fidelidade.

É bom ter amigo de todo jeito, everybody knows. Cada um faz entender um lado da gente.

E mais: pra ser poético, eu diria que os cachorros são os embaixadores dos animais no reino humano, tentando usar seu prestígio entre nós, quem sabe, pra mostrar que respeito é bom e conserva os dentes (nesse caso, todos os ossos do corpo e ainda a terra pra enterrá-los).

Acho que o homem percebeu, há muito tempo, que troca franca de olhar com um cachorro faz muito bem pra saúde. Do corpo e da alma, do cachorro e do homem.



quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Le Matout

Depois de uma noite e madrugada inteira de viagem, José Ruela de Chinelo chega ao seu destino, muitíssimo bem acompanhado pelo Sol.

Era evidente que aquele lugar era meio esquisito, como que uma imagem levemente fora de foco, talvez a que vê quem olha por olhos míopes de meio grau. Todo mundo meio manco, ou meio vesgo, ou banguela, e todos sempre muito calados.

Talvez uma vila da idade média, com casas de pedras empilhadas, pequenas, decoradas com cadeiras, mesas e poltronas também de pedra.

No ar, o som estéreo de mil tubos de vidro etéreo soprados por dois mil beiços, sei lá eu onde. Lá tem uma gruta cuja outra saída êsfala que dá em Machu Picchu; talvez lá estejam os sopradores. Mas o som chegava, constante, noite e dia, ininterrupto. Um som muito agradável. Aliás, não era só um som, era mesmo uma música, com melodia, ritmo, andamento e pá.

No ar também havia o céu, lindíssimo. Mas, como o resto, diferente. Um céu claro, límpido, textura de cristal, e muito baixo, perto demais da gente.

Como se não bastasse, aquela banda larga aérea ainda transmitia um cheiro inebriante, meio azul, meio amarelo ocre; sempre sutil, mas nunca ausente. Uma hora ou outra trafegavam também alguns megabytes de cheiro de pão de queijo com chocolate quente, daqueles que carregam cachorro pelo focinho.

Aqueles dias foram de perambulação pela vila e, principalmente, pelas imediações, recheadas de cachoeiras, grutas, morros e essas coisas.

Num daqueles dias, no meio da estrada de terra, o carro de Ruela encosta, parando bem atrás de um homem. Definitivamente, era um nativo (o povo sem dente, ou sem olho, ou sem coerência, como eu tinha falado), vestido com uma calça meio escura, uma camisa de botão de manga curta meio clara, e de chapéu de palha. Ele estava agachado, na posição brasileira de lótus (feito quem está passando um fax para o presidente Lula), de costas para a estradinha. Parecia extremamente concentrado, parado, inerte, contemplando o vazio verde/azul, serenamente não pensando na vida. Estado inabalado até mesmo com a chegada agressiva, barulhenta, petulante e esnobe própria de um carro, estacionado bruscamente a centímetros de suas costas. Tampouco a música alta da vitrola do carro ou o abrir e fechar de portas venceram a indiferença.

E foi assim que, perguntado qual caminho seguir, o cara agachado de chapéu limitou-se a apontar com o indicador direito. Depois continuou estático, assistindo atento ao filme que ninguém mais via.

José Ruela então seguiu viagem, acompanhado da pulga atrás da orelha; ninguém sabe se a informação fornecida era correta.

Depois de muito refletir, percebeu que o pose de cagão era o/um/e/ou matuto.

De volta ao lar, já no primeiro dia trombou um amigo prego com quem não encontrava havia algum tempo:

- E aêê Zé Ruela, como é que tu tá?

- Zé Ruela é o caralho, meu nome agora é Biro-biro do Baticum, porra!

E o prego saiu, abalado.

No dia seguinte, Biro-biro deu entrada nos papéis pra fazer a alteração do seu nome.




.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Enxurrada

Em plena aula da primeira série, Albano, moleque muito gente boa, com a voz esganiçada, desafinando no final da frase, dispara o petardo:

- Dona Josenice, pra chover, a nuvem fura?

Imediatamente a casa cai. (Quase)todo mundo chora de rir, muito mesmo. Riram gargalhadas debochadas, carregadas de um tipo específico de arrogância, aquela própria de quem tem medo.

Até hoje eu não entendi qual foi a graça.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

O chorares

Tem alguns de vez em quando que são bastante freqüentes. Um deles, pra mim, é o choro. Tô lá, sossegado, e ele desce. Ou é com uma coisa, ou é com outra. É a saudade do que eu vi e ainda não, referida por Russian Reborn. Incomoda um pouco o grilo de não saber por que tudo isso, canta alto. Fora, muitas vezes, a vergonha.

Esse choro me sugere sutil e intensamente que eu não caibo em mim mesmo, que o corpo parece a casa do Snoopy, pequena por fora e imensa por dentro.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Isca (ou texto decente)

Ia deslizando tranquilamente entremeio a comunidade, reparando a beleza dos raios do sol refratados, que criavam cardumes de sombras lá embaixo, na areia, nas pedras e nas plantas. Pedras roladas...

Em rio de piranha jacaré nada de costas – ali não tinha piranha, nem ele era jacaré, então tranqüilo.

A vida continuava sendo luta, sempre, movimento constante, consciente e inconsciente, mas a correnteza é senhora. Além do mais, o leito está lá, lambido no mesmo lugar. Até a mesmo a correnteza não diz sua própria direção, ainda que tenha o domínio do sentido. E olha que ela própria (a correnteza) foi a responsável pelo desenho do leito.

O ambiente estava relativamente calmo, ninguém fugindo, ninguém se impondo, pelo menos não ainda. Mas calmaria é um negócio perigoso, ambíguo e traiçoeiro, o germe da tempestade está ali, pronto pra digivolver. Portanto, olho aberto, zé roberto.

Continuou o passeio, respirando aquela água pura, contemplando, mas atento, consciente, examinando o ambiente.

Foi quando avistou um negócio bem ali na frente, e a medida que se aproximava ele pode perceber que se tratava de nada mais nada menos que um sanduíche do peninha, violentíssimo, Dahause com muita maionese, pareceu. O sanduíche tinha praticamente ¼ da sua massa corporal, fácil. Não podia ser, era sorte demais. Flutuou um pouco ao redor do sanduba, antevendo o quanto ia ser bom aquele almoço quando lembrou da calmaria, a bendita calmaria, cuja inexorável tempestade bem poderia ser um companheiro de fome. Meteu a boca com vontade no sanduíche, engolindo-o de uma vez só.

Quando o gostinho da maionese começou a se mostrar ao paladar, sentiu uma coisa estranha que vinha de dentro, um certa tensão, um mal estar. Até que um movimento brusco, violento, começou imediatamente a puxá-lo para cima, direto de suas entranhas. Foi quando percebeu que tinha engolido junto com o sanduíche, um pedaço de ferro cheio de ganchos afiados, que enfiaram em suas vísceras e as veio rasgando até a parte de dentro da boca, onde a mucosa, mais forte, fez o anzol fixar-se.

Recomposto do susto, tentou lutar com todas as forças com aquela corda praticamente invisível, mas que o puxava implacavelmente, rasgando sua boca cada vez mais. A dor era imensa, mas ele não iria se entregar sem uma boa luta a um inimigo tão odioso, terrorista, covarde e cruel, que insistia em arrastá-lo para fora de sua dimensão. Era verdade, afinal, o folclore sobre os outros que simplesmente desapareceram. Mas, ao contrário da crença, não se tratava de arrebatamento, isso ele teve certeza.

Foi assim que, esgotado de tanto esforço e dor, foi apresentado à dimensão dos ventos, e ao "desgraçado dono dessa zorra toda."

Aquele gigante fedorento o pegou com sua grande mão, segurou-o e acabou de esfacelar sua boca, arrancando com força descomunal os ganchos lá presos.

Jogado ao chão, começou a debater-se, sem conseguir respirar, com o interior do corpo totalmente mutilado, o que lhe causava uma dor horrenda, até que começou a perder as forças. Seu corpo pulava cada vez mais baixo, debatia-se cada vez mais devagar, devagar, devagar...

Praticamente sem forças, lembrou de pequenos instantes de toda a sua vida... a amizade de infância com aquele girino marginal que nunca mais foi visto, a primeira vez que sentiu o roçar de escamas, os dribles perfeitos que até então tinham lhe assegurado a sobrevivência, garantindo o seu lado até mesmo contra os botos...

Nem a dor tinha mais vigor, tamanha a exautão. Já envolto num silêncio absoluto, sentiu a iminência do desfalecimento completo – tempo suficiente pra pensar consigo "meu sangue não, palhaço – carne branca.".



Tão sem graça quanto essa historinha aí é ficar parado, latinha na mão, na beira do rio, esperando a fisgada.

Não entendo como alguém pode achar pescaria um bom programa.

Mas o mais sinistro não é o mau gosto, mas a indiferença em relação ao sofrimento alheio. É bicho mesmo, mas e daí?

A indiferença é pior que o ódio. Indiferença é desumano.


terça-feira, 11 de setembro de 2007

Do nada ao nada

Praça é muito massa. Principalmente em cidade grande, dá a impressão de um mundo paralelo, mais aconchegante, reconfortante.

Quando a praça é praça mesmo, grande, imponente, parece outro mundo, trespassado e sobreposto ao mundo comum. Igual, mas diferente, a começar pelo som. Uma ilha rodeada de realidade por todos os lados.

Mas tem uma coisa que sempre que incomodou: a existência de dois tipos de caminhos de praça. Um, é o dos caminhos de cimento, pedra, etc, feitos pela prefeitura ou sei lá eu quem. O outro, é o das mini trilhas no meio da grama, atalhos usados por quem passa.

Os primeiros são longos, cheios de 90 graus e fazem você andar mais, sempre.

Os segundos geralmente são a menor distância entre onde se entra e onde se sai da praça, percorrendo uma linha reta entre os dois pontos; eles é que são os caminhos efetivamente usados pelo povo. São, no fim das contas, os caminhos de verdade; já eram, antes de serem.

Haverá um motivo oculto pra essa renitência em ignorar o caminho natural das coisas?

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Viagem insólita

Já tinham conversado sobre o assunto algumas vezes, parece. Naquela época era mais ação, menos reflexão.

Aí, num belo dia (que é o que não falta) ninguém tinha dinheiro pra pagar o ônibus. Entrar em um era aceitar o pacote, era seguir o plano até o fim, se dançar tá fudido (sacou?), pelo menos quando se tem 11, 12 anos.

Vão andando e cogitando andando e cogitando andando e cogitando andando e cogitando e pára um. O fédaputa pula pra dentro, é o mais mala, safado, sem vergonha, que merda, vai um vai os três.

A viagem mais deliciosa começa. O mundo do lado de fora da janela fica meio dourado, o tempo diferente, barriga fria, saco frio, pequeno, o som da catraca alto pra caramba, a mesma coisa com os assobios seguidos das pancadas das portas.

A gente sempre faz merda e sempre tem sorte, sempre dá um jeito, vai dar certo. Não outro jeito também, entrou, fudeu. Fica tranqüilo, sem vacilar, assovia, olha pra fora, fala de homim do he-man, já lembra daquela parada lá e tal.

Bom mesmo ia ser roubar a grana do cobrador, mas não dá. Mas é foda, ganha dinheiro até, sem gastar um tostão. Isso porque ninguém imaginava quem era o dono, porque se soubesse...

De repente, acaba a subidona. Sinal que daqui a pouco, no fim da subidinha, vira, e aí o bicho começa a pegar. O primeiro ponto da rua já daria pra descer, mas o próximo é melhor.

Pára no ruim, continua, o barulho do motor brincando com as marchas massageando a cabeça, vibrando a barriga (I'm alive...), e vai chegando perto. Muito vazia a nave, não tem ninguém pra levantar e puxar a cordinha. Se passar batido só tem mais uns dois pontos de distância razoável. Mas não, tem gente acenando, o ônibus pára. Dá medo de olhar pra cara do outro, mesmo assim rola entre-intra-olhares, mas todo mundo afina.

Continua a treta do motor ronronrando e as portas assoviando e batendo, passa a igreja, passa o pé de porco, e já chega o outro ponto. Não sei se existia ali um código nesse sentido, mas o primeiro a entrar foi o primeiro a falar falou e tchau. Pula mais um e já saem correndo com tudo sem olhar pra trás. Quando resolvem olhar, nada do outro, o gordo. Fudeu, cadê o cara? Dançou, vai preso.

Aí o ônibus sacode e pula lá de dentro o gordo, com a língua pra fora, mordendo, a cara de safado sem vergonha correndo e rindo os três vão correndo e rindo e indo correndo rindo muito demais pra correr correndo muito demais pra rir e rir e rir e rir e rir e rir e rir e rir e rir e rir até gravar, bem fundo no HD de vinil, o riso eterno de quem foi criança de verdade, rolando no chão de felicidade.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Bolsa Família


Certo, o canal é o caminho do meio, nem oito nem oitenta, Tai-ki, equilíbrio.


Mas para aprender e entender as coisas, nada melhor que ir beber a água dos extremos. É lá que está a essência do trem, é lá que dá pra engolir sem filtrar nem ferver.


Por isso eu gosto das impressões do muito pobre ou do muito rico, do muito feio ou do lindo, do gato ou do cachorro, do menino ou do velho. E uma vez, num restaurante natural de Brasília, obviamente freqüentado por pessoas cool, tive a oportunidade de sentar à mesa com um senhor (lembrando que em lugares assim, cools, a onda é sentar na mesa com uns 4 ou 5 estranhos – o que pode ser ótimo, péssimo ou só desconfortável, depende da sorte), oficial militar aposentado, já ocupando o seu derradeiro posto, de onde pode observar, alheio, a vida. (Essa última parte pode ser fruto das minhas imaginações romanceadoras, mas tudo bem. Quem não é doido?)


Então, mas o Seu Joaquim me falou uma coisa que o pai dele dissera-lhe (pai do cara? Quê isso, informação antiga pra caralh*, eu pensei na hora): "Meu filho, com uma garrafa de pinga você compra seis brasileiros".


Concordei com aquilo na agora, já imaginando que eram 18 doses, dividido por 6 = 3 pra cada um. Dá um grau já.




Lembrei também do Pezão, amigo meu que nasceu com uns 30 anos de idade, o qual não vejo desde a adolescência – hoje deve estar com uns 90 e poucos. A gente vagava pelas ruas do Santo Antônio, com o Cristiano e o Gustavo, e enquanto nós três nos ocupávamos exclusivamente com a nossa própria dimensão infante, ele já conseguia olhar para as coisas e enxergar classes sociais, cilindradas de carros, tesão, oprimidos e opressores, juros e correção monetária, cartório de registro de imóveis, preço da gasolina, INSS do peão da fazenda... estruturas gerais da dimensão dos homens adultos, enfim.


Sempre que a gente passava pelo bar do totó no sábado à tarde, olhava lá para dentro e via uma porrada de cara, tumultuando o lugar, impedindo a gente de jogar nosso totó. Pra nós três, era isso, um tanto de caras. Mas o Pezão sempre dizia: "Pobre é uma desgraça. Recebe da obra o dinheiro da semana e já vai pro boteco gastar com pinga".


Aí, no pós flashback, eu vi o quanto a gente pode ser barato, o quanto é fácil deixar o homem médio, como diz o outro, satisfeito aqui no Brasil. Ou no mundo, sei lá.


E aí de vez em quando eu penso no meu próprio preço. Serei eu barato demais? Ou caro demais?




O problema de se ter um preço alto é que quem te compra é sempre você mesmo. Maior preju.





domingo, 2 de setembro de 2007

Fora do armário

Na minha terra a gente chama as mulher de dona. Dona Terezinha, Dona Barbinha, Dona Josenice, Dona Conceição. A gente chama elas de senhora também.

Pior que é mesmo, e é também que o dom é senhor. Um dom é senhor de quem o teve de presente. O presente é de graça, mas tem um preço.

Descobri que o Fernando Sabino era baterista de jazz e o vi falando que escrever lhe doía, enquanto a batera era a diversão. E aí o povo falando que ele era plúrimo e tudo mais.

Verdade, e acho que dá para dizer que ele não teve muita escolha, porque o batuque já era dele, já era ele, já se dera a ele, já cedera-se-lhe, e a parada é intransferível e irrecusável. Sob pena de angústia seguida de morte (viva). O homem como instrumento de uma manifestação que, uma vez natural, é implacável e não te perguntou nada.

Não dá para calar a voz de quem canta. Pode ser brega, mas é verdade.

Se todo mundo contasse com um talento artístico, ninguém prendia passarinho.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Fudeu

Entrei achando que era tranqüilo. Não tinha como saber daquele marfagarfo desgraçado.

PINK FLOYD

"Tired of lying in the sunshine
staying home to watch the rain
you are young and life is long
and there is time to kill today
and then one day you find
ten years have got behind you
no one told you when to run
you missed the starting gun"


E se não for when, mas where to?